30 de outubro de 2007

Amsterdam - 10

À entrada, um porteiro encaminhava os hesitantes para o escritório situado em edifício isolado, logo à direita.
Entreguei a carta de admissão e foram-me distribuídos, uma chave dum cacifo, um fato macaco, e sete arcaicas fichas­­/moedas que dariam direito a outras tantas bebidas gratuitas. Café, chá, leite, chocolate, sumo, coca-cola e água, eram as escolhas.
Três outros presumíveis estudantes, juntaram-se a mim. Aos agora quatro neo-operários, mais um acompanhante, mostraram o seu espaço. Depois, entregaram-nos a um hipotético encarregado, para gerir oito braços mais.
Um asiático, dois americanos e eu, formávamos o quarteto a laborar no pavilhão B.
O Chinoca e o Steven, dum lado, o Jean Claude Joblansky (sempre achei piada ao nome) e eu, do outro, formávamos as duplas a mecanizar.
O nosso trabalho consistia em descarregar todos os dias, ao início da jorna, um super camião, cheio de embalagens de margarina embalada em vácuo. Cada embalagem tinha vinte e cinco quilos. À nossa frente corria uma passadeira rolante para a qual empurrávamos a margarina, depois de esfaqueada a embalagem que a protegia, sendo esta levada para uma caldeira onde era derretida e canalizada para a mistura necessária à confecção de cacau.
Estava numa casinha de chocolate, aliás num “fabricão” de cacau.
Tão simples quanto isto. Parecia simples, mas era duro.
O Chinoca cursava Direito. Steven, era Sociólogo. Jean Claude, um sósia de Cristo e portador do sangue mais nómada que já conheci.
Filho de pai polaco e mãe espanhola. Nascido na Argélia. Naturalizado americano. Vadio na Holanda. Sonhador em Katmandu.
A parte da manhã era destinada a descarregar o camião. A da tarde, a abrir as caixas e fazer chegar a margarina às caldeiras.
Não acompanhei nunca o processo seguinte. O pavilhão B era o nosso limite.
À hora de almoço, uma mini-roulotte particular vendia postas de peixe cru, arenque fumado e “uma coisa qualquer” frita. No principio comi “a coisa qualquer”. Depois de farto, passei ao peixe cru, já que o fumado sabia a podre.
Na vida, a gente habitua-se a tudo e descobrimos que a resistência humana vai sempre mais além.
Em tudo não foram fáceis os primeiros tempos.

De dia, dava cabo do corpo. À noite, do corpo me davam cabo.

29 de outubro de 2007

O Mini







Estes simpáticos automóveis, fizeram as delícias de muita gente nos anos 60 e 70.Também eu tive um - o do meu pai.
Foi nele que a minha vida girou 360 graus, aquando do acidente que me levaria até à Gália.
Ao olhá-los, agora reunidos em concentração nas Azenhas do Mar, registei o momento, pensando naqueles que também tiveram um.
Nesta pequena viatura vi um dia, num programa de televisão portuguesa, entrarem nele vinte e sete pessoas.
Às vezes… os pequenos, são enormes.!

28 de outubro de 2007

O meu Cristo




Cristo, é talvez a figura que mais admiração me provoca.
Ora no sentido puramente doutrinal, ora na figura que alguém, um dia, imaginou ser assim.
O magnetismo da sua imagem é a suave brisa que me refresca a mente.
Um pequeno relicário de Cristos, abençoa o lado direito da minha sala.
Também eu tentei imaginar o meu Cristo e saiu assim.
Decididamente, não tenho quaisquer pretensões, mas é este o meu Cristo.
Aquele que eu pintei!

26 de outubro de 2007

O Bicho e as gatas







Há dias, num almoço de amigos, apareceu esta inesperada sem-abrigo.
Garrafa na mão, gata nas costas, ódio na mente.
É o abandono, a solidão, a miséria, a revolta.
O Gigi, a Maria, O Jacques e a Cristina, olhavam pensativos o instantâneo que me ufanava.
Salvou-se a postura do animal, que não vacilou ao ziguezaguear da ébria.
Quem não suporta o peso dos homens, anseia pelo dos bichos.

Sei que não vou por aí!

25 de outubro de 2007

Amsterdam - 9

(vinte anos depois, voltei ao Hotel Cok, com o Gigi e outros amigos)

O meu novo emprego começava às sete da manhã.
Vinte minutos a pé até à estação e outros tantos de comboio até à fábrica, davam-me manobra para poder sair do hotel, uma hora antes.
Ao que me foi explicado, situava-se quase frente à estação.
À minha saudação de – bom dia Mr Urgens, obtive como resposta, uma mão no ar segurando um pequeno saco igual ao do dia anterior.
Mais uma vez a primeira refeição era servida ao sair da porta.
- Apenas cumpro o meu dever, Alain! Na impossibilidade de tomares o pequeno almoço aqui, acho de toda a justiça que o tomes noutro lado. Assim, aqui o tens! Está incluído na diária.
- Diária? É verdade! Já nem me lembrava disso. Só paguei dois dias!
- Não faz mal, eu aguardo! Pagas quando receberes! Confio em ti!
- Obrigado! Então até logo, depois falamos!
Desta vez o saco parecia mais pesado. Verifiquei durante o trajecto que a dose fora aumentada. Mais um pão e algumas bolinhas de queijo!
Àquela hora da manhã o movimento na Central Station parecia o dum formigueiro.
Koog Zaandijk era a localidade onde se situava a “minha” nova fábrica. Estava ansioso para começar. Nunca o trabalho me causara temor.
Já sentado à janela, com a paisagem a fugir-me em sentido contrário, matraqueado pelo monocórdico som de rolamentos barulhentos, recuo à infância e volto a pensar num ror de coisas e no alerta constante do Padre Nobre – meu menino, lembra-te sempre que a preguiça é a mãe de todos os vícios!
O menino nascido em berço humilde mas a quem nada faltou, viajante errante habituado à leveza do acaso, estava agora a tornar-se um homem prestes a ser operário como tantos que conhecera.
Sendo assim, nada havia que temer. Adelante!Adivinhei os passos da gente jovem que caminhava à minha frente e segui-os. Não me enganei. Também eles se dirigiam para as enormes instalações que se estendiam à nossa frente.
Koog Zaandijk era uma certeza, despida e fria.

24 de outubro de 2007

Amsterdam - 8

No regresso ao hotel, senti-me dono da situação. Mais uma vez o meu anjo da guarda me amparou e alimentou a audácia.
Não pude partilhar esta alegria com Mr. Urgens. Só entraria no turno da noite.
Com o ego em alta, estava agora mais disponível para responder aos olhares e solicitações das esbeltas vikings. Sim, só das esbeltas, porque algumas havia que quase não se percebia serem homem ou mulher.
A escolha era vasta. Podia voltar a dar-me ao luxo de escolher. Parecia um ritual satânico. Qual vou comer? Começo por onde?Pensando bem vou até ao bar. Estou num mundo novo e devo continuar a guiar-me pelos ditames do bom senso.

- É melhor deixar-me destas coisas de quem é que como, pois não tarda nada estou a ser comido. Vou apenas olhar e o que tiver de ser, será. Quando a montanha vier a Maomé, saberei subi-la.Assim fiz e naquele mesmo dia subi a primeira montanha.
Não guardo grandes recordações dessa montanha. Quase não foi necessário subi-la. Foi meia-bola e força.
O romântico e sonhador Alain, não teve direito a carícias, beijos cúmplices e ofegantes, antes sim a uma carnificina voraz sem sentido de, anda cá - já está.
Tal como temia, fui devorado num instante!
Desejamos sempre aquilo que não temos. Quando me calhava uma mosca morta e não podia voltar atrás, ansiava por uma rebelde que me rasgasse os vícios. Quando a tinha, desejava apenas carinho e afecto, antes de...
Aquele quarto era tudo, menos um ninho de amor. Nele, não havia privacidade nos momentos íntimos. Quem estivesse por perto limitava-se a assistir ou a ignorar.
Assim também eu fiz quando o mesmo se passava a meu lado, ou uma fétida seringa entrava em negras veias já sem corpo. Ignorava!
Mergulhando nos diálogos comigo, volto a repensar no meu percurso de vida e na aventura que ali me levara.
Tenho de reaprender a viver, jurei a mim mesmo. Isto não volta a acontecer. O caçador passara a presa. Não, nem pensar. Vou-me deixar caçar quando entender.
Voltei à realidade. Mr Urgens estava de volta. Contei-lhe o sucedido e felicitou-me pelo que estaria para vir. De soslaio medi-o de alto a baixo e sinceramente não tinha pinta de bicha.
O soldo pago pela agência leva-me ao luxo de comprar os meus cigarros preferidos, Peter Stuyvesant.
Parecia agora igual a todos os outros. Quem não fumasse e não bebesse, não pertencia àquele mundo. Cigarro nos lábios, emprego quase certo, mulheres por todo o lado. É fartar vilanagem!
Bem, já que me encontro numa fase de devaneio e futuro risonho, é melhor jantar pois amanhã é um novo dia. Aguardemos o que me espera.
Devo ter voltado a jantar frango barrado com doce de qualquer coisa e aguardei que Mr Urgens estivesse disponível.

23 de outubro de 2007

Amsterdam - 7

Chegado ao local, constatei tratar-se duma tipografia totalmente especializada em material pornográfico, o que era perfeitamente normal e legal naquele país.
Perguntaram-me em holandês, algo que não entendi. Entreguei o envelope que me foi dado na agência e esperei.
Depressa as ilusões caíram por terra. A vaga estava preenchida havia dois dias e só por lapso a agência me poderia ter indicado aquele emprego.
Desiludido mas decidido, regressei pela mesma via, vingando–me no conteúdo do resto do saco.
Tenho todo o tempo do mundo e o parco pecúlio que ainda me resta terá de esticar, logo, mais uma caminhada no regresso não me fará nada mal. Afinal andava à descoberta da cidade, portanto era um trabalho de pesquisa. Vistas as coisas desta forma, o alento subia.
Cansado de falar comigo, fui regressando e olhando, agora com mais calma.
Seriam duas horas da tarde quando voltei à agência. A italiana feiota, que agora me atende, não é a mesma do dia anterior.
Explicada a minha aventura de não ter sido colocado na tipografia, porque a vaga estava preenchida, um telefonema para um lado e outro para outro, resumiram o nosso diálogo a um simples sorriso à laia de desculpa.
Consultou o ficheiro de clientes, anuiu com a cabeça e respondeu:
- As nossas desculpas pelo sucedido! Foi um lapso tremendo e garanto-lhe que não volta a acontecer. Vamos já resolver o problema, aguarde um pouco!
Alguns minutos depois, entrega-me um pequeno papel com nova morada e algum dinheiro que já não lembro quanto.
Fico incrédulo! Não entendo o porquê daquela paga!
A feiota italiana explica-me então que aquela verba correspondia a um dia de trabalho, mais o pequeno almoço e ainda o preço dos transporte de ida e volta para a tipografia.
Como eu via mal, meu Deus! Mr Urgens – bicha! A italiana – feiota!
Como é que uma pessoa que acaba de me entregar uma quantia que em situação de racionamento me daria para viver largos dias, pode ser feia? Qual feia, qual carapuça! Era linda, a mulher! Linda, de morrer!
E ainda por cima pede desculpa e coloca-me noutra empresa!
Sem o ter percebido, estava garantida a minha sobrevivência nos tempos vindouros.

22 de outubro de 2007

Amsterdam - 6

A noite foi mal dormida.
O hotel não tem serviço de despertar, pois em cada quarto dormem oito jovens, e acordar um significaria acordar os restantes.
A preocupação de me levantar às seis, fizera com que eu, intermitentemente, acordasse.
- Bom dia Mr Urgens! Parece que já estou um pouco atrasado!
- Bom dia Alain! Ainda tens muito tempo! No máximo vais demorar uma hora a chegar lá!
- Não é bem assim! A tipografia fica fora da cidade e eu nem a cidade conheço!
- Está bem, mas conforme te expliquei é só seguires o percurso do vinte e um – direcção Zeeburgerdijk. E como o refeitório ainda está fechado, preparei-te este saco. Toma!
Lá dentro, dois pães de leite, duas miniaturas de manteiga e outras tantas de geleia, eram o tónico que precisava para a caminhada que se avizinhava. Agradeci e despedi-me.
À distância parecia um gesto normal, mas aquela preocupação agradava-me sobremaneira.
Três quarteirões mais à frente, lá estava a paragem do vinte e um. Agora era só seguir-lhe o rasto.
Abri o saco e despejei uma miniatura de geleia e outra de manteiga dentro dum pão rasgado com os dedos.
Na Holanda o almoço é uma refeição frugal. Quase inexistente. Havia que guardar o segundo pão para esse momento. Assim eu fora capaz. Quando havia, havia, quando não havia, não havia. Má visão da situação, como sempre fiz. A adrenalina pedia-o.
Sem perder o Norte do meu destino, o gesto do saco do pequeno-almoço afloraram-me à ideia coisas que me pareciam sem nexo, ou talvez não.
Quando um homem já viveu muito em pouco tempo, quando está só e o pensamento tem espaço para se espraiar, mil incertezas nos invadem.
De repente já não havia Mr Urgens. Era aquele gajo. Tão simpático, tão porreiro, tão amigo. E pensava! 

Se calhar é bicha!
Vá lá não sejas assim! O homem está só a ajudar-te e tu levas logo isso para outro lado! – respondi a mim mesmo.
Será que é? Será que não? Lembrei-me então que numa das nossas conversas, me alertou que as nórdicas tinham muita queda para os latinos e que assim sendo, eu iria ter dias muito agradáveis em terras da Rainha Juliana.
Esta pequena lembrança deixou-me mais animado.
O surdo monólogo fazia-me atravessar rua após rua sem quase me dar conta do que já andara.

A linha do vinte e um levara-me efectivamente à morada pretendida.

21 de outubro de 2007

Kim Bond - Agente Infiltrado


A bond Girl era linda!
À minha chegada, James guardou a arma e ...
O resto? Vejam o filme!
Kim Bond – Agente Infiltrado.
Estreia a 12 de Janeiro de 2008, numa sala de cinema perto de si.

20 de outubro de 2007

Amsterdam - 5

Esta cidade agradava-me francamente.
Passei a manhã à descoberta de tudo e de nada, não muito longe dali.
- Bonjour Alain, ça va toi? J’ai quelque chose pour toi !
Mr Urgens, acabara de chegar e confessa-me que pensara em mim.
- Sabes, lembrei-me duma Agência de trabalho temporário para estudantes e acho que deves ir lá.
- Então e onde é que isso fica? Perguntei entusiasmado.
- Não muito longe daqui – respondeu.
Olhando o mapa da cidade, ambos tentávamos descobrir o local onde se situava a agência de empregos.
Trocámos mais umas impressões sobre esta possibilidade que se me deparava e saí na busca do incerto e vago.
Depois de uma hora à procura da tal empresa, encontro-a finalmente.
Disse ao que ia e após responder a pequenos quesitos, imediatamente me arranjaram um emprego numa tipografia. O local era longe dali e combinámos que lá me deveria apresentar no dia seguinte, às oito da manhã.
O resto do dia transformou-se num beco de ansiedade e numa ruela de esperança.
Quando regressei ao hotel, ameaçava anoitecer.
Mr Urgens desdobrava-se em multi-funções de estalajadeiro. Um grupo de jovens dinamarquesas acabara de chegar ao hotel e procedia-se à logística de alojamento das patrícias de Andersen .
Um ror de mulheres, que mais parecia uma algazarra de crianças, inundava a recepção. Eu, ali de pé, respondia com sorrisos aos primeiros olhares marotos.
Mr Urgens não tinha mãos a medir. Dei-lhe um toque no ombro e de polegar em riste agradeci-lhe dizendo:
- Colocaram-me numa tipografia, tenho de lá estar às oito da manhã. Assim que começarem a servir as refeições vou jantar e depois vou deitar-me, pois como vou a pé para lá, terei de sair daqui por volta das seis.
- OK. Vou estar de serviço esta noite. Quando saíres ainda cá estarei. Depois falamos!
A vida tem destas coisas. Conhecia-o há dois dias e já parecíamos os melhores amigos do mundo, apesar das duas gerações que nos separavam.
Pouco depois, utilizei a segunda senha de refeição e para variar, jantei frango barrado com doce de morango.

18 de outubro de 2007

Amsterdam - 4

Parecia que Mr. Urgens me esperava.
A imponência da sua figura sobressaía por detrás da recepção do Cok.
- Então jovem, já foi conhecer a cidade?
- Já dei uma volta!
- O que é que faz aqui um jovem sozinho, vestido de forma tão convencional?
- Bem… sabe … é que, eu sou português. Apesar de, até agora ter vivido em Paris, decidi alongar o olhar e aqui estou. Quanto à roupa é uma forma de estar. Entre as “passerelles” de Paris e as flores de S.Francisco, prefiro a primeira.
- Em Paris? Não acredito! Adoro Paris! Então você vai ser o meu professor! Não se importa?
- Professor, como?
- Passamos a falar apenas em francês!
Tal situação agradava-me porque falava inglês como uma vaca espanhola e esperava praticar, mas ao mesmo tempo era agradável ter alguém com quem falar a minha segunda língua. Olhei-o sorrindo e respondi:
- D’accord monsieur!
Em poucos minutos o ibero calor derreteu o gelo do norte.
As palavras seguintes, adocicadas por uma empatia mútua, desdobraram-se em desabafos e desejos e quando demos por nós, já conversávamos há largas horas.
Quando terminámos, Mr Urgens era o gerente do hotel, o dono da minha fome e o gestor dos meus passos.
Abriu uma gaveta, retirou uma caderneta de senhas de refeição do hotel, cortou duas pelo picotado e entregou-mas dizendo: - Eis a paga da primeira aula.
Aceitei com ambas as mãos e parti à procura da janta.
Um magote de mulheres bonitas, estudantes escandinavas, olhava-me como se homens não houvesse. Assim seria, todos os dias.
Uma princesa nua não me teria deliciado tanto quanto o frango barrado com doce de maçã, que saboreei lentamente.
Naquela noite jantei como um viajante endinheirado e deitei-me com os problemas resolvidos, pois vivia um de cada vez.
Amanhã? Era outro dia!

17 de outubro de 2007

Nós - os pobres




Dia Mundial de Combate à Pobreza, terá de ser todos os dias.
Dois por cento da população mundial, detém metade da riqueza do globo.
A outra metade, está distribuída por nós – os pobres.
E entre os pobres, há ainda os miseráveis.

Esta “molhada” de dinheiro, provém duma apreensão a traficantes de droga, essa outra miséria, a par da guerra.
Recolham-se gentes!
Às vezes - Deus, esquece-se de nós!

16 de outubro de 2007

Amsterdam - 3



Sonhando sonhos que não sonhei, adormeci sonhando.
A claridade que a janela, a meu lado, deixava passar, despertou-me para a nova realidade.
Ali estava, à espera de nada, sem saber por onde começar
À minha volta, três camas mais, estavam ocupadas. Não se percebia quem eram os seus ocupantes. O primeiro aspecto não me agradava de todo. Descobriria mais tarde que nem as vestes nem os cabelos tinham algo em comum, com o colegial menino que eu era.
Lentamente desci ao piso térreo e fui memorizando o meu novo mundo.
O pequeno almoço, girava à volta das tradicionais bebidas quentes e ainda dos queijos, das compotas e da manteiga.
Os restantes hóspedes exibiam os trajes do tempo de “flowers in the hair”.
A modernidade das instalações, amenizava o frio humano dos que ali se encontravam.
Na recepção, um jovem pouco mais velho que eu, dominava as entradas e as saídas.
O Cok Hotel, ficava muito bem situado. Bastante perto do centro, numa cidade completamente plana, como Amesterdão, facilmente se ia a qualquer lado sem grande esforço. Tempo, eu tinha demais.
Pelo mapa da cidade exposto no átrio, fiquei com a certeza de, para qual lado vaguear.
Os carris dos eléctricos, que mais pareciam a carlinga dum avião, levaram-me à porta de entrada nesta cidade – A Estação Central.
Aí estava eu de novo, já conhecedor do local. Não sabia o que fazer. Apenas, olhar, olhar, olhar.
Num banco consegui trocar o resto do meu pecúlio, de francos franceses, por florins, moeda local.
Uma pequena moeda foi suficiente para comprar um crepe chinês, de tamanho considerável e bastante bem recheado de legumes.
O crepe viria a tornar-se o meu alimento de eleição, quer pelo preço, quer pelo aconchego que o estômago agradecia.
Cansado de olhar, regressei ao Hotel, onde o jardim das traseiras me ajudava, em peregrinação interior, a trilhar os caminhos de Santiago.

15 de outubro de 2007

O Porto está lindo, carago!




Há muito que não ia ao Porto.
Por lá passava várias vezes ao ano, mas aí não me quedava.
Nunca fui muito ligado a esta cidade e as exacerbadas paixões clubísticas ajudaram a esse afastamento.
Às vezes, temos a solução ali ao lado e não a vemos.
È um pouco como ir para o estrangeiro e não conhecer Portugal.
Porto/Gaia, binómio de margens lindas, ao sabor de passeios de Domingo, alegraram-me a mente e empurraram as rivalidades que os espíritos mentecaptos conseguem trazer às nossas vidas.
E depois … é um velho casario, que se estende até ao mar!
Velho Porto, Rui Veloso, cantou-te ao amanhecer!
Redimo-me, Porto!
Vou amar-te mais vezes!

14 de outubro de 2007

Isa de Santa Maria


Gostei! Adorei!
A Estrelinha do Norte, que vem iluminando as minhas estórias e desabafos, é afinal uma cúmplice da ternura e da amizade.
Gestos largos, lábios rasgados por um sorriso menino, olhos profundos descobrindo além, atravessam-lhe a vida na busca incessante de mais querer.
Mulher de raça, determinada em pleno, tem ainda a sorte de, à sua volta, girar uma família espantosa sintonizada em comunhão total.
A Estrelinha do Norte, é também a estrela de David, seu fantástico marido.
Israel tê-los-á abençoado, porque geraram rebentos de igual quilate, Alexandra e David Jr.
I.R. – Isabel Ramos! Isa a Bela!
A três horas de mim, tão perto do coração!

12 de outubro de 2007

Amsterdam - 2


Descemos a escadaria, do prédio, um atrás do outro como se de carcereiro e recluso se tratasse. O velho Peugeot do Professor esperava-nos na penumbra. Anichei-me no banco da frente e seguimos para o centro da cidade.
Amsterdam, é uma cidade plana, lindíssima e cheia de jardins. Talvez propositadamente ou talvez não, íamos passando pelos locais mais movimentados enquanto o Professor me ia questionando sobre a minha aventura, a minha pessoa e o meu modo de vida.
Parámos finalmente. Nenhuma ansiedade se apoderava de mim, o que me permitia encarar o que estava para vir como algo melhor do que eu esperava. Cá fora um pequeno reclame luminoso identificava o paraíso: Cok Hotel – for students.
Na recepção um respeitável sexagenário parecia aguardar-nos. Interiormente logo o baptizei – Mister Urgens! Era o sósia dum actor alemão que eu adorava – Curd Urgens. Simpático e afável ouviu as explicações do Professor sobre a minha pessoa. Os vinte e tal francos que ainda tinha, depois de trocados por florins, davam para dormir naquele hotel, durante uma semana.
Agradeci e despedi-me do Professor. Nunca mais o veria. Foi assim com todas as pessoas que de uma forma ou outra me ajudaram no périplo saltitante dos quatro cantos do mundo.
À minha volta, logo no final do átrio, um pequeno bar tipo inglês e uma larga sala de lazer, completavam o espaço que o olhar alcançava.
Após alguma troca de impressões e cumpridas as formalidades que o hotel exigia, Mister Urgens, subiu comigo ao segundo andar e mostrou-me o meu quarto. Não era afinal o meu quarto, mas sim o quarto de oito pessoas, supostamente jovens. Quatro beliches, oito camas, oito cacifos e algum desalinho, explicavam o porquê de tão pouco dinheiro bastar para ali dormir alguns dias. Percebi então que cada quarto albergava oito jovens. Nada que me incomodasse! Estava num hotel-camarata, muito perto do luxo.
Aproximei-me da janela e um frondoso jardim saudou a minha chegada.
Depois, sentei-me na cama de baixo, do último beliche junto à janela, olhei em redor e estendi a alma em colchão divino.
Cok Hotel - Koninginneweg 30, Amsterdam - era a minha nova morada!

10 de outubro de 2007

As aventuras de Kim Kim - Holanda


... Bom Dia Amesterdão!


À minha frente deparava-se a Praça do Dam.
O símbolo fálico, no centro desta, aliado a tudo aquilo que já conhecia da cidade, lembrou-me que poderia ter acabado de entrar em Gomorra.
À minha esquerda, o Hotel Krasnapolsky, convidava-me a nele repousar, se para tanto o meu dinheiro chegasse. Curiosamente, alguns anos mais tarde, viria a nele me hospedar, com a carteira recheada e gravata bem apertada, em camisa de seda.
Era meu costume trazer uma lista de nomes e moradas de refugiados políticos que eram assinantes da Revista O Tempo e o Modo, qual pedrada no charco do regímen vigente, onde colaborei a convite da falecida Drª Helena Vaz da Silva, mais tarde minha comadre (madrinha do Bruno).
Sentei-me no redondel do Dam e puxei do papel mal dobrado onde constavam os nomes e moradas, dos meus eventuais protectores.
Ora deixa cá ver. Holanda … Amesterdão … cá está, Prof. Dr. José Rentes de Carvalho.
Indago onde fica a residência deste ilustre português e uns pequenos trocos são suficientes para apanhar um autocarro para a morada que aparece à frente do seu nome.
Entretanto, um crepe chinês, mitigou a fome que já se instalara no meu estômago.
Era preciso manter os sessenta e seis quilos que os meus cento e oitenta e quatro centímetros pediam.
O Prof Rentes de Carvalho, morava num bloco de apartamentos, tipo aparthotel com longos corredores. Toquei à sua campainha. Voltei a tocar. Nem vivalma!
Resignado a uma longa espera sentei-me no tapete da porta, encostei a cabeça à madeira fria e voltei a sonhar.
Era já velha a noite, quando senti a presença de alguém.
Um homem de baixa estatura, talvez quarentão, um pouco gordinho, estático, olha-me sem nada dizer.
Levanto-me e pergunto-lhe se é o Prof Rentes de Carvalho. Surpreendido por saber o seu nome, de sobrolho franzido, respondeu-me que sim, Explico-lhe então como obtive o seu endereço e qual a ajuda que preciso dele.
Apenas precisava que me desse umas “dicas” sobre a melhor maneira de sobreviver na Holanda. Onde dormir barato. Onde comer barato. Onde trabalhar a ganhar bem. Enfim, aquelas loucuras de quem não percebe nada da vida.
Ouvidas as minhas explicações e perguntas, coçou a careca e desabafou:
- Você é louco!!! Bem … venha daí!

9 de outubro de 2007

Julgo - logo existo!




Mais de seiscentos convidados encheram a sala de cinema do Casino Lisboa, para a ante-estreia do filme de Leonel Vieira - JULGAMENTO.
Filme francamente realista e actual, inundado de grandes planos bem sucedidos, superou todas as minhas expectativas.
Júlio César, primeira figura desta “estória”, provou-me que nem só de pão vive o homem, numa faceta que eu desconhecia.
No cômputo geral, trata-se dum filme com um elenco notável e desempenho soberbo de duas ou três personagens.
No final, quando as luzes se acenderam, eram muitos os beijos e abraços a felicitar os actores. JC e Leonel Vieira eram os mais requisitados.
Quando me preparava para abandonar o local e deixar o Júlio entregue aos VIPS e às luzes da ribalta eis que o meu telefone toca.
- Quim, onde estás? Anda para o pé de mim!
O Júlio tem destas coisas!
Às vezes, surpreende-me porque … Outras, surpreende-me porque …
Parabéns amigo! Estiveste fabuloso!
À Cândida Vieira, Directora de Produção um grande beijinho.

7 de outubro de 2007

O Anjo da Guarda


Olá meninas!
A Maria José e a Patrícia, são o rosto do meu Anjo da Guarda.
Outros aqui caberiam. Como não se vislumbram por perto, omito-os, por ora.
Em algumas das minhas viagens, são elas que me amparam, como se pode ver na foto.
Aqui, na cidade de La Valleta – República de Malta, registei o momento para que a memória não esqueça
Burgueses, malteses e às vezes!!! Quem viu o filme?
Merci Marie José!
Inch Allah Paty!

5 de outubro de 2007

Julgamento





O Julgamento vem aí.
Julguem o que quiserem. Eu julgo que vale a pena.
Júlio César, no papel principal, e Henrique Viana no derradeiro acto, aguçam o apetite a quem os quiser julgar.
Julgamento – ante-estreia dia 8 de Novembro no Casino de Lisboa. Estreia dia 11 de Novembro em vários cinemas.
Boa sorte para ti Júlio!
Lá do alto, o Henrique, no seu palco etéreo, dirá o mesmo.
Está na hora de acordar o passado.
O JULGAMENTO FINAL ninguém vai perder!

4 de outubro de 2007

A Bela e o Monstro




Raul Solnado e Manuela Couto, na Ilha dos Amores do Kim Kim, com receio de serem esmagados pelos elefantes alados do Bruno.
Este poderia ser o cartaz do último filme destes duas grandes figuras do espectáculo?
Não! É apenas um diálogo de estrelas, quando há dias, se encontraram no meu escritório.
Agora, que terminaram as filmagens da Ilha dos Amores, é tempo de dizer aos Açores – adeus, até um dia!
Manuela, menina alegre, actriz sensacional e mulher maravilhosa. A estrada da Sétima Arte, estendeu o seu tapete à versátil e contagiante actriz, que o sorriso denuncia “avec sa joie de vivre”. Tremendamente bem disposta, vai subindo os degraus da fama e do estrelato, com a singeleza própria dos que foram tocados com a mão de Dionísio.
Raul Solnado, sobre ela, confidenciou-me um dia: - Eis a futura primeira dama dos palcos portugueses.
Pedro, seu marido, geólogo, ­­cientista da terra, vai tentando descobrir a razão das catástrofes naturais no mundo. E foi talvez a pessoa com quem, alguma vez, mais empatia criei ao primeiro contacto.

Manuela Couto – A Bela, que não atravessa o deserto para subir ao Olimpo.

3 de outubro de 2007

Bom Dia Amesterdão!


Já a pensar em nova aventura, adormeci a sonhar com as amigas que nunca mais voltaria a ver.
Dos amigos não falo porque apenas tinha um - o Martin (Zeca) que viria a morrer precocemente, aos trinta e três anos. Não tinha mais ninguém, de quem me despedir.
Todos os dias eram preenchidos por rostos desconhecidos.
Várias perguntas me assaltavam o sonho. O que viria a seguir? Que ânsia era aquela de partir à procura de tudo e de nada? Onde iria dormir? E comer?
Apenas tinha a certeza que não iria morrer de fome. De que forma? Isso, ver-se-ia a seu tempo.
Bem … poderia ter evitado estas perguntas, se não tivesse dispendido quase todo o meu pecúlio. Mas, se o não tivesse feito, onde estava o incerto? Era isso que me fazia querer abraçar o mundo, sem ter braços para tanto.
Aos vinte anos, o mundo parece-nos pequeno. E é. Acabei por constatá-lo.
Com o Norte a chamar por mim, quase não olhei para Bruxelas.
Aos poucos ia deixando Le Plat Pays.
O comboio proporciona-nos estes momentos. É sair ou continuar.
Em Antuérpia hesitei e pensei ficar por ali. Os diamantes que lá se transaccionam convidavam-me a uma bela mas não menos perigosa aventura. Assim sendo, entre perigo e aventura, optei pela segunda.
Dormitei um pouco mais e quando voltei a acordar, estava já no meio dum mar de túlipas.
À esquerda e à direita, rectângulos enormes de coloridas túlipas de cores variegadas, abriam-me os olhos de espanto. Uma indómita vontade da ali ficar começou a apoderar-se de mim. Os moinhos e a planura dos verdes campos entrecortados pela panóplia de cores estonteantes, tiraram-me todas as dúvidas. Sem o saber, estava a chegar ao destino, apesar de ter destino pago até uma qualquer aldeia dinamarquesa.
Uma cidade de baixos prédios desponta mais além. O aproximar desta parecia-me ser visto pelo zoom da minha Sony.
Parámos finalmente, no centro da cidade.
A Estação Central, acabava de engolir o monstro de ferro.
Desço dois degraus. Olho à volta e grito para dentro:
- Bom Dia Amesterdão!

2 de outubro de 2007

Au revoir Paris


Naquela noite, a movimentação de gente na Gare du Nord, em Paris, era fora do comum.
Cá fora, a neve fazia das suas e empurrava todos para locais quentes e abrigados.
As estações do metro estavam bem recheadas de pedintes, vagabundos e errantes, como eu. Palmilhei a gare, várias vezes, para a frente e para trás, na busca incessante duma cabine telefónica. Não pretendia telefonar, apenas abrigar-me e dormir num pequeno espaço, sem correntes de ar. Todas estavam ocupadas. Outros, pensaram como eu.
Sem nada para fazer e enregelado até ao tutano, continuei a percorrer aquele espaço, despido de tudo.
Apenas os “placards” pendurados em zonas estratégicas, convidavam a ir mais além. Comecei a lê-los e reparei que cada um convidava a um destino diferente.
Visite a Suécia! Visite a Escandinávia! Visite os fiordes da Noruega!
Tantas foram as vezes que li esses cartazes que, imediatamente, os meus olhos se encheram de aventura. Dirigi-me à bilheteira, retirei todo o dinheiro dos bolsos, pu-lo na bandeja circulatória do “guichet”e pedi: - quero um bilhete para Norte, até onde este dinheiro chegar.
O empregado, olhou-me com o desprezo que um qualquer louco merece. Contou o “poignon” e separando umas moedas para a esquerda e outras para a direita, foi-me dizendo:
- Você tem aqui 76 francos. O bilhete mais próximo deste dinheiro, custa 52 francos e dá até à fronteira da Dinamarca. O que quer fazer?
- Ok. Pode ser! Dê-me esse dinheiro, de bilhete!
Sem mais nada dizer, coloca o respectivo bilhete e os 24 francos sobrantes, na bandeja, fazendo-a rodar para o meu lado, como que ignorando o acto dum louco.
O dinheiro servia para o que servia. Não me importava que o não tivesse. A incerteza de imaginar que algo me aconteceria por não ter um cêntimo, era igual à de saber que tinha uns francos e quando acabassem estaria no ponto de partida. Logo, era igual ter ou não ter dinheiro, a menos que fosse muito. Apenas adiava a sobrevivência.
Eram seis horas da manhã quando me despedi de Paris, ao som do siflar daquele paquiderme de ferro.
A saudade já me atormentava.
Não resisti a olhar para trás, metendo a cabeça fora da janela.
Respirei o ar pesado da gare e parti, olhando a urbe a despertar.

1 de outubro de 2007

Nasceu um soldado

A tropa não foi talhada para mim. Nem qualquer outro serviço militarizado.
Há regras que eu gosto de quebrar. Logo, nunca seria esse o meu caminho.
Uma semana depois de nela ter entrado, foi pedido a quem quisesse colaborar no jornal da caserna, que se inscrevesse na secretaria.
Vendo ali uma forma de me baldar, inscrevi-me.
Após alguma troca de impressões com o alferes coordenador da feitura do jornal, este convidou-me a escrever uma espécie de editorial, para ser publicado na primeira página, descrevendo qual o sentimento duma mudança tão extrema como aquela - passar de civil a militar.
Ao fim duns dias estavam prontas as seis páginas do jornal. Além do editorial, também escrevi um conto. Dois artigos no primeiro jornal, davam-me a esperança dalgumas benesses.
O alferes Parracho era um baril. Mas era também responsável por aquilo que eu escrevesse.
No dia em que o jornal saiu, fomos ambos chamados ao comandante. A mim, foram pedidas explicações sobre o conteúdo do editorial. Ao alferes, o porquê de haver autorizado.
Nunca mais me deixaram escrever. Apenas porque as três últimas frases do meu texto eram:
- Morreu um homem! Nasceu um soldado! Aleluia!!!