30 de junho de 2007

MAR NEGRO - 4

Sunny Beach, parece a Praia de Carcavelos.
Duzentos hoteis. Esta estancia de turismo so funciona seis meses por ano.
E optimo para malta nova. Musica, musica, musica e copos, copos, copos.
Todas as noites e assim.
De todos os paises aqui a volta, aparece miudagem, para curtir.
O meu amigo Henedino esta a espera que eu chegue para lhe explicar se vale a pena vir ate ca.
Penso que sim.
Ainda ha LADAs a circular. E BRABANT, tambem.
Quem tiver o azar de ficar num hotel perto da barulheira, esta feito.
Hoje - Cidade de VARNA (capital maritima)
E a segunda maior cidade da Bulgaria. Nao ha nada para ver nem para comprar.
Nem ha nada para contar. (E so comer e praia)

29 de junho de 2007

MAR NEGRO - 3

Hoje - NESSEBAR, patrimonio mundial - lindo.
As pedras, voltaram a falar.
Calor - muito - com nuvens.
Os Balcas estao a tomar conta de mim.
Vamos a isso. Jantar no Tromba Rija. OK
Estou inscrito ja
Ate amanha.

28 de junho de 2007

MAR NEGRO - 2

A temperatura baixou cinco graus.
A agua do mar continua com 26 graus. Muito bom.
Hoje, um pequeno tornado, aconteceu a 20 metros de mim. Colchoes, boias, e chapeus de sol elevaram-se no ar a mais de cem metros de altura.
Fiquei atonito.
Vamos a ver se nenhum tornado leva estes 88 quilos.
Beijinhos, pessoal.

27 de junho de 2007

MAR NEGRO - 1

Seis horas da tarde.
Quarenta e um graus.
A coisa esta preta. O computador do hotel nao tem acentos.
Agua do mar quentissima. 26 graus.
Mulheres lindissimas. Homens, dizem as mulheres, assim - assim.
Este computador de terceiro mundo nao tem porta USB para insercao de fotografias. Pena.
Nao posso pedir mais.
Mar Negro = Negros problemas.
Amanha veremos.
Beijos as minhas meninas.
Benvindo Ottis Redding. Acabaram as ferias (ponto de interrogacao)

26 de junho de 2007

Gaivotas em terra ...


Há dias que me parece não haver lugar para todos nós.
Há sempre alguém à espera, para poder poisar.
Estou enganado, não estou?

Algures, a uns milhares de quilómetros de Portugal, com o Mar Negro a banhar-me as ideias, continuarei a desabafar sempre que a disponibilidade o permita.
Os dias passam depressa.
Até já, amigos!

25 de junho de 2007

O Abraço


Às minhas virtuais amigas, espalhadas pelo mundo. Pela omnipresença! Pelo apoio!


Há muito que precisava de recordar, uma parte importante da minha vida.
Tentei e tentarei, transportar cada momento, para este palco, onde ninguém conhece ninguém.
É um pouco como desinfectar a alma com lágrimas derramadas.
Faz bem ao ego e alimenta o espírito.
Agora que revivi a Chantal, penitencio-me pelos pensamentos diabólicos que tenho das mulheres, mas na verdade elas são o suporte que nem só os homens fracos precisam.
Mulher! Essa força da natureza, maior que o homem, em tudo. Até no ódio.
Não fora eu Balzaquiano e estaria ainda a tentar perceber porquê.

A minha homenagem às mulheres de todo o mundo!

O meu ABRAÇO.



24 de junho de 2007

Nasceu um homem


Depois de uma aula de vida, proporcionada por Chantal, nasci de novo.

22 de junho de 2007

O SALTO - parte 16

- Chantal, peço-te imensa desculpa, mas essa não é de facto a minha forma de estar. Foi um impulso estúpido, porque nem sequer pensei que me ias alimentar a imaginação de te poder ter.
Chantal olhava-me agora com ternura. E continuei – Vou-te contar uma coisa. Tive uma educação cristã. Os meus estudos foram feitos num Seminário. Eu queria ser padre. Não aconteceu por acaso. A minha formação humana e cultural não tem nada a ver com aquela ordinarice, com que te presenteei. Não tenho palavras! As minhas desculpas!
- Olha Alain, também eu te vou contar um pequeno segredo. Acabaste de ganhar a minha admiração. Tenho trinta e seis anos. Sou uma mulher casada. Não tenho filhos. O meu marido é um homem extraordinário e é membro do Governo. Mas, ouve bem. Eu não sou nenhuma puta. Trataste-me com tal. Trouxe-te comigo porque senti uma atracção por aquilo que se escondia por detrás do teu olhar. Mas a vida não é assim. Tens de aprender a olhar à tua volta e a comedir as palavras. És um puto cândido. Não te percas.
Estava estarrecido e acabrunhado. Limitei a olhá-la. Apetecia-me beijá-la, como amiga.
A nossa patética figura em roupão, estava já desajustada do contexto.
- Alain, vamos ficar assim. Amigos! Está bem? Podes vir visitar-me quando quiseres e vamos ficar grandes amigos. Mas … pode ser só assim?
Já em ré menor, fomo-nos descobrindo e fazendo projectos do que poderia vir a ser aquela amizade. Ofertou-me conselhos. Escolhi roupa do marido. Recebi cem francos e a promessa duma amizade duradoira.
Fiquei mais menino e vergado ao peso do opróbio, lacrimejei nos seus braços.
Levou-me à porta, encostou o indicador direito nos meus lábios, beijou-me a boca que o seu dedo separava da sua e murmurou envergonhada:
- Alain!.. Talvez um dia …!!!

21 de junho de 2007

O SALTO - parte 15

Decidi-me pelo roupão.
Não fora a impaciência e teria ficado mais tempo no banho.
Cheguei à sala, com os predicados reduzidos ao mínimo e lá estava ela, folheando um livro. Reparei então, pelo traçado das pernas e uma nesga de roupão aberta, que afinal não estava nua.
Apesar do “enrascanço” em que me sentia metido, parecia que a musa me inspirava.
- Senta-te aqui ao meu lado! – sugeriu. Então, é verdade que vais dormir comigo?
Fiquei a olhar para ela sem conseguir responder. A distância dos corpos, apesar de lado a lado, era enorme. Percebi que me fitava como a um passarinho indefeso.
- Qual é o teu nome?
- Alain,
respondi.
- E tu?
- Chantal.
- Qual é o teu país?
- Portugal.
- Portugal??? Huuuuum!!!!
- E que fazes tu na vida, Alain?
- Bem … sabes … é que… sou estudante e vim tentar estudar Arte Dramática em Paris.
- E já estás a estudar?
- Não, não. Já arranjei trabalho, o que não é nada mau e depois se verá.
- E trabalhas em quê?
- Numa lavandaria, prós lados de Pont de Sévres.

- Madame, o almoço está servido!
– interrompeu a empregada.

- Pois bem, vamos comer qualquer coisa e vamos falando - dizia ela.
Levantando-se pega-me na mão, arrastando-me para a mesa.
Eu ia pensando – esta gaja não tá boa da cabeça. Então primeiro vamos comer e depois é que vamos prá cama? Vai-me dar alguma “solipampa”.
O almoço era diversificado, mas frugal. Percebia agora a que se devia a elegância das suas curvas.
Durante o almoço falámos só de mim. Contei-lhe as minhas agruras e dificuldades. Dela, tudo era enigma.
Terminada a refeição voltámos para o sofá. Olhou-me com ar sério e …
Alain, tu tens um ar doce. Pareces um menino prendado. Quando olhei para ti, no Publicis, senti isso e apeteceu-me descobrir-te. Como é possível que te tenhas dirigido a mim naqueles modos?
A espada de Dâmocles pendia sobre a minha cabeça. A hecatombe estava a chegar. Caí em mim e mudei de postura oratória.

20 de junho de 2007

O SALTO - parte 14

O grande galã tremia que nem varas verdes e nem o frio que na rua se fazia sentir, evitou uma descarga de suor e mau estar. A sua elegância, postura e à vontade, punham-me mais nervoso e lembravam-me que já fizera asneira.
Uns metros mais à frente, um Citröen DS (boca de sapo) aguardava-a de porta aberta. O motorista, homem de meia idade, tirando o boné, curvou-se levemente à nossa chegada. Fazendo menção de a acompanhar, esticou o braço, abriu a mão e num tímido passe de toureio apontou para o banco traseiro convidando-me a entrar. Primeiro eu, depois ela,
Os breves minutos que demorámos a chegar ao 16eme Arrondissement, pareceram-me eternos. Da boca dela nem um murmúrio. O silêncio era de oiro.
Rasgava-se um sorriso cúmplice quando o Boca de Sapo nos largou na fachada austera dum cinquentenário prédio, da Rue Erlanger.
Subimos num velho elevador, coisa que não fazia há muito e cheguei às nuvens num ápice. Uma velha senhora, serviçal fardada, abre-nos a larga porta de entrada e afasta-se à nossa passagem. – Bonjour madame, bonjour monsieur! – cumprimenta-nos ela.
Estava no palácio da minha rainha. Aguardava o tributo a pagar.
Mandou-me ficar à vontade, perguntando-me se queria beber algo enquanto ela iria tomar um banho.
Estava agora a ficar mais calmo.
Comecei a imaginar um filme a cores e o respectivo guião. – Ela agora vai tomar banho, depois vai-me perguntar se eu também quero fazer o mesmo para libertar a “suadela“ apanhada até ali, depois, os dois em roupão, trocaremos os primeiros beijos e entregar-nos-emos nas aras do Deus Apolo.
Finalmente, embriagada de paixão, pedir-me-á cumplicidade eterna.
O bater duma porta fez-me regressar à realidade. Era ela! Tal como imaginara! Roupão vermelho! Corpo desnudo!
- Fica à vontade! Queres tomar um banho?
- Sim, sim!
– respondi, como se fosse um hábito, banhar-me em casa estranhas.
- Então segue-me! A casa parecia uma cidade. Atravessámos duas avenidas e mostrou-me um quarto de hóspedes.
- Aqui está! Pode ser aqui! Se quiseres podes vestir qualquer uma dessas roupas que estão no roupeiro! De homem, claro.
A casa de banho era moderna. O tecto rebaixado e muito iluminado. Num canto, uma casinha de madeira, que vim a saber depois ser a sauna. Com a água a escorrer-me pelas ideias abaixo, ia magicando o que faria a seguir.
Iria para a sala apenas com o roupão vestido? Vestia-me e aparentava que havia coisas mais importantes que sexo? Perguntava-lhe o que devia fazer? Chamava-a à casa de banho e amava-a logo ali?
- Valha-me Deus! Onde me fui meter!

19 de junho de 2007

O SALTO - parte 13

Paris, vestia-se de branco. Espreitava o natal.
O Publicis situava-se na esquina duma das doze pontas de L’Etoile. Fazia gaveto com a Av. dos Campos Elísios.
Era um dugstore que eu visitava regularmente. Por ser perto de minha “casa” e por ser a minha biblioteca. Ali consultava regularmente, O Diário de Notícias e A Bola, os únicos jornais portugueses expostos no escaparate.
À minha frente, do outro lado do vidro, na farmácia, uma linda mulher comprava a cura que o corpo pedia, aparentando ter a idade que mais mexia comigo - trinta anos.
Um longo casaco de zibelina, escondia-lhe o corpo. Ainda assim, adivinhava-lhe o contorno das formas. Uns óculos escuros seguravam-lhe os cabelos, a cair nos ombros. De blusão creme, jeans e camisola de gola alta, olhei-me e acreditei ter reencarnado James Dean. Vivia uma fase com o ego em alta.
A espaços, entre uma espreitadela no último resultado do Benfica e a visão angelical que tinha à minha frente, imaginava-a já nos meus braços.
Num segundo, mil vezes se cruzaram os olhares. Num minuto, mil vezes se afastaram.
Já não lia. Já não via. Já não estava em mim.
No momento seguinte, dirige-se para a saída, passando a meu lado e deixando no ar um perfume a demarcar terreno. Num impulso imprevisto agarro-lhe o braço e arvorado em macho saído dum filme chauvinista murmuro-lhe: - esta noite vou dormir contigo!

Não fazia nada o meu género este tipo de afirmação ou piropo que acabava de proferir. Horrível, de tão ordinário que foi!
O seu braço não afastou o meu. Parou, olhou-me de frente, sorriu e apertando-o levemente continuou o seu caminho, conduzindo-me de braço dado.
Um baque acordou-me do sonho que vivia.
Não é possível o que está a acontecer! Fiz isto pensando em tudo, menos naquilo!

Ela nem pestanejava! Algo não está bem, mas não vou fraquejar! – todos estes pensamentos me absorviam e estava completamente baralhado com a atitude dela, tão diferente da que imaginara.
Sem nada dizer caminhámos para a rua. Eu não sabia o que fazer. Ela sim.
Afinal, quem ali estava não era uma miúda da minha idade. Era sim, uma musa saída da pena de Homero.

18 de junho de 2007

O Bonçalo




O BONÇALO faz hoje ANOS

O BONÇALO é um AMOR

O BONÇALO é da PAZ
O BONÇALO é MEU

O Gonçalo é BOM!



Há 28 anos, eu tinha a mesma idade que ele tem hoje

Parabéns filho!

17 de junho de 2007

João Moucho - O Patriarca




João e Ana, já não têm vinte anos, há muito tempo.
Uma vida inteira de trabalho, bebendo suor e mastigando cansaço.
A terra, moldou-lhes as mãos e o sol aqueceu-lhes a alma.
Seres maravilhosos, onde a maldade e o ódio não entraram.
Geraram nove filhos, sua cópia fiel, uns, por cá, outros, espalhados pelo mundo.
Conceição, Fátima, Maria de Jesus, Tó, Ana, Zé Manel, Céu, Manuela e Rui - O sucesso destes é o espelho dos pais.
Os que foram chegando, por via da união, cheiraram o espírito que neles se vive e integraram-se no Império dos Mouchos.
A aldeia de Zebras, no coração da Beira Baixa, alberga esta família fantástica, que a gente não esquece e meio século de amizade, nos obriga a rever.
João e Ana, oitenta e tantos anos a irradiar amor.
Não tenho memória duma família assim!
Bem hajam amigos! Até breve!

Às vezes, em fim de semana, o meu regresso às origens.

16 de junho de 2007

Júlio César - Parabéns


Júlio César
Cena do seu próximo filme, a estrear brevemente - O JULGAMENTO


Às vezes – fim de semana
Às vezes - todos os dias
Às vezes - sempre
Às vezes - nunca
Às vezes - a gente senta-se
Às vezes - a gente se senta
Às vezes - sessenta

Há poucos dias, dizia-me o Júlio:

- Éh pá, não estamos nada velhos!

Tivemos o nosso tempo e ainda vamos ter mais algum.
Vivemos “c’mó” caraças.
Viajámos “à brava”.
Comemos e bebemos à “fartazana”.
Tivemos, aventuras mil
Quando formos embora, vamos de “papo cheio”.

Tens razão Júlio! Não nos podemos queixar.
Plantámos uma árvore.
Fizemos um filho e …
Estamos a escrever um livro, digo eu.

O JULGAMENTO mostrar-nos-á que a RAVINA da vida também é a subir.
Um grande abraço amigo! Parabéns!

15 de junho de 2007

O SALTO - parte 12


O hotel levava-nos todo o pecúlio. Por vezes, era preferível gastar a diária deste, numa noitada no Touquet. Havia sempre a hipótese de, correndo bem, ter onde dormir, sem pagar, correndo mal, ter-me divertido e sair directamente para a fábrica, onde laborava. 
A prioridade número um, era ter dinheiro para ir ao Touquet ou a qualquer outro do género. O investimento era garantido. Mais que ter um amor permanente, preocupava-me ter um amor diferente. O lema era, conhecer o máximo possível de amigas. E em cada amiga, havia uma possível amante. E em cada amante, um possível abrigo. Nas condições em que nos conhecíamos, era o mais natural acontecer. Quanto mais amigas tivesse, mais hipóteses tinha de não dormir na rua. Quando deambulava na Bastilha, batia à porta da Pauline. No Trocadero, procurava a Sophie. Na Rue de St Paul, suspirava pela Bogecvic. Olhava sempre em redor, tentando lembrar-me se ali habitava alguma das minhas benfeitoras. E quando me lembrava, quase sempre estavam ocupadas. 
Era um sonhador. Julgar que uma linda mulher, estivesse à espera que eu passasse por ali e lhe batesse à porta, era no mínimo uma infantilidade atroz.
O conhecimento travava-se na primeira música, normalmente dançada em slow. A mulher francesa era decidida. Quando queria, ia directa ao assunto e não havia rodeios, o ideal para mim, que não precisava de avanços inglórios. Os anos e o uso confirmaram-no. Julgo ser hoje ainda assim. É a mulher quem quer. O homem apenas deseja.
Sabia que as mulheres gostavam de homens atrevidos, mas eu nunca o seria. Não precisava, nem queria. Rara era a vez, que uma cara bonita me dizia não. Avançava quase sempre, com a certeza da anuência. Os olhos falavam e isso bastava. O jogo de sedução apoderara-se de mim. Abria os braços e pela forma como o seu corpo encaixava no meu, sabia onde me render.
Os vodka-orange eram bebidos em quantidades mínimas, quer porque os recursos eram parcos, quer porque os meus hábitos, a tanto não reclamavam. Isso mantinha-me sóbrio e saciava ilusões.
Finalmente com as finanças cada vez mais debilitadas, acabámos por arranjar outra mansarda. Mais umas águas-furtadas a rebentar a esquina da Avenue de la Grande Armée com o Boulevard Pereire. Um quartito com a mesma área do anterior, fazia agora de nós, emigrantes bem sucedidos.
O local era óptimo. A mil metros do Arco do Triunfo e a dois do Touquet, permitia-me ir até lá e ver em que paravam as modas. Não raras as vezes, encontrava o amor da noite anterior, enrolado nos braços doutro Alain qualquer. Habituara-me a isso. Ninguém era de ninguém. As minhas vestes eram agora mais jovens. Blusões e jeans alternavam com dois fatitos comprados em saldo, em La Samaritaine.
O pior era a lavagem da roupa. Ia à lavandaria do turco, lavar roupa branca e trazia roupa colorida. Era um nabo milagreiro. Misturava tudo. Uma desgraça! Tinha de poupar dinheiro e não ia fazer duas máquinas de roupa. De início não dei importância a isso, depois preocupei-me bastante. É que, despir-me à frente duma conquista, usando cuecas cor de rosa, não era lá muito abonatório para a tarefa que me propunha executar. Apesar de tudo lá continuei a ir, até ao dia que uma senhora, com idade de ser minha mãe, me ajudou em tão ingrata tarefa. Ela própria fez questão de dividir a minha roupa e meter mais moedas noutra máquina, apenas com roupas de cor e certamente com outro programa, já que mais moedas eu não tinha. 
Enquanto a máquina rodava, num vai-vem constante e a espera era a única certeza, o seu olhar rodava-me a cabeça, mais veloz que a centrifugação das roupas que começavam a escorrer. Por dentro, esvaía-me em incertezas, mas pouco fiz para não ceder. Depois, ali perto, num minúsculo apartamento que o tempo esqueceu, como um menino que a mãe leva pela mão,  tive de lhe pagar os soldos que a sua experiência exigiu. Um metro e oitenta e quatro de homem e setenta quilos de peso, transformou-se numa tocha de sexo, queimando-lhe o seu corpo mal amado.

14 de junho de 2007

O SALTO- parte 11

A pequena Lili, era mesmo pequena. Foi a primeira a descobrir o caminho secreto para a minha nau. Era a mais novinha daquele bando engaiolado de “pássaras”, tentando por vários meios meter-se no redil do cordeiro. Eu, apesar de parecer vestir pele de lobo, não passava dum mero recruta na batalha do desejo.
Costumava cantarolar-lhe “C’est la vie Lili” quand tu passes dans les rues de la vie - evocando Joe Dassin. E ela adorava! Tive pena dela! O meu egoísmo absorvia melhor a sabedoria das trintonas, em detrimento dos seus vinte anos. Queria ser conquistada, mas não saía da torre de menagem e eu nada fazia por isso.
Este tipo de atitude, nem parecia meu. Adoro a conquista e gosto da luta. Ali, não o podia fazer. As piranhas comiam-me todo.
“La Petite Lili”! Passava os dias a visitar-me no meu canto e via o seu terreno ser invadido por gralhas sequiosas. O seu aspecto, provinciano e ingénuo, deixava antever que também ela estaria por desbravar, como eu assim estive até ali chegar. Apesar de tudo eu estava um pouco mais adiantado. Tinha-me licenciado em preliminares. Uma boa parte das outras madames, dobrava-me em idade e ganhava-me em jogos libidinosos. Perdia-me então, de temps en temps.
A vida tem destas coisas. Foi a única, das que se aproximaram de mim, que não chegou a experimentar o incómodo dos lençóis, escorregadios como visco. Evitei-o e hoje não tenho remorsos de o ter feito. Iria sofrer. E de todas, era a única que eu gostava.
Claudette, chefiava a rebelião e não deixava os seus dotes por mãos alheias, sim nas minhas Fazia-me lembrar a Bonnie Parker, (Bonnie and Clyde) de boina ao lado e esguia que nem lampreia minhota.
E a vietnamita, a quem eu chamava Lucy? E a Lucy-Lucy, sua filha? Meu Deus, como foste cruel comigo!
Misturei paixão com labor e reuni condições para o principio do fim.
Aguentaste! Esquece, Alain! Já passou!
Monsieur Girardot, homem franzino e rouco, à beira da reforma, a quem os campos de concentração siberianos entorpeceram a voz, apaziguava-me os ânimos e olhando-me nos olhos, percebia tudo. Não precisava falar. Ele era o elo de ligação entre o meu mundo e o resto da fábrica.
A sua silhueta, meio curvada, baixa estatura, vislumbrava-se à distância. Sentia nele o pai que não tinha presente. Falava-me sempre do seu aprisionamento nas estepes russas. Deus esquecera-se dele, mas deixara-o sobreviver. A sua imagem vem-me ainda hoje à memória, quando vejo toucinho. Dizia-me ele, que um naco do dito, era a ração que lhe era distribuída semanalmente. Com ele besuntava todo o corpo, ajudando assim a superar os trinta e cinco graus negativos médios, que lhe enregelavam a alma, Depois, com as sobras alimentava o corpo.
Nos seus olhos, todos os dias era Inverno. Aqueci-lhos tantas vezes, quantas as que abriu os meus.
Continuarei as conversas com ele, nos campos de Odin, lá onde a primavera nunca acaba.
Malgré tout, fui sempre um sortudo. Tinha tratamento VIP de quase toda a gente. Uns, porque me julgavam estudante universitário, de passagem por uma fase diferente na vida. Outros, porque pensavam ser inferiores, culturalmente. Outros ainda, porque seguiam o lema – todos diferentes, todos iguais.
Tinha acabado de chegar à fábrica e fora-me distribuído o trabalho menos pesado, que todos desejavam. Por algum motivo seria - pensavam eles. Sentia, no olhar de alguns, resquícios de invejas infundadas.
Em boa hora caí também nas graças do Director-Geral da empresa. Era inglês e eu era uma das poucas pessoas com quem ele falava. Trocávamos impressões sobre temas vários e interessava-se muito pelo meu passado eclesiástico, que lhe vim a confidenciar.
As quatro mil peças que deveria marcar diariamente, ficavam muitas vezes bem distantes das seiscentas que marcava. Com tantas confidências e desabafos, outra coisa não seria de esperar.
Nos dias em que marcava lençóis, tinha autorização para fazer horas extraordinárias. Era uma benesse que o director Mr Danny me concedia. Ganhava a triplicar e adormecia, envolto em lençóis de linho, sonhando com os Estúdios Cinematográficos de Boulogne-Billancourt, ali ao lado, iluminando-me na ribalta do estrelato.
Santo Deus, como podia eu queixar-me da vida?
… e assim fui vivendo, salpicando juventude com loucura, tanto quanto a inocência permitia.
Na fábrica, Alain, tornara-se o menino mais querido e invejado.
Herói de madrugada, com muitos braços à sua espera, vagabundo à noite, sem ninguém a deitar-lhe a mão.
Ironia! Paris pisava-me e eu tinha Paris a meus pés!

13 de junho de 2007

O SALTO - parte 10

O Tó, iludido por um concubinato desenfreado e a viver em parte desconhecida, afastara-se de nós. Nunca mais o voltaríamos a ver. Martin era visita assídua. Cinco minutos a pé, bastavam para chegar até nós. Vivia esta aventura com se a si pertencesse.
Seus pais, porteiros do número 12 da Rue Juliette Lambert, convidavam-nos de vez em quando a degustar um misto de cozinha portuguesa afrancesada. Nas traseiras do nosso hotel, Rue de Tocqueville, ficava Chez Jean Bar. Era um café-bar com duas máquinas de “fliper” num canto e algumas mesas com assentos corridos, em formato de U. Também aqui eram passados muitos dos nossos momentos de lazer, ao som da canção mais ouvida na altura – Désormais – de Charles Aznavour, que momentos antes fora accionada na juke-box. Ali, alguém me avisou que mesmo em frente na Estação de Caminhos de Ferro estavam a admitir trabalhadores. Era por inscrição. Se bem o pensei melhor o fiz. Fui logo ali informado que me deveria apresentar dois depois, para ser submetido a um exame. Entre portugueses e espanhóis, éramos vinte. O exame passava por uma simples pequena prova escrita. Ninguém sabia patavina de francês. Só eu fiquei. Todos os outros foram reprovados. Resta acrescentar que o tipo de trabalho para o qual nos estávamos a candidatar, era para carregador de volumes e bagagens. 
Uma semana depois viria a ser impedido de continuar a trabalhar, pois não tinha apresentado qualquer documento que justificasse a minha legalização. Assim, voltei à vida de vadio, felizmente por pouco tempo. Preocupado com a minha legalização, combinei com Julien e fomos a Porte de la Chapelle dar início à burocracia que era preciso formalizar. 
Os dias iam passando e eu palmilhava as ruas de Paris em busca de trabalho. Até que bati na porta certa. Blanchisserie Simon, em Pont de Sévres, numa das saídas da cidade. Cerca de duzentas pessoas laboravam naquela lavandaria que se dedicava a um negócio que julgo, ainda hoje, não haver em Portugal. Lusitanos, seriam uma vintena. A empresa colocava todos os dias, conforme o acordado nos restaurantes e hotéis, todo o tipo de atoalhados necessários à laboração dos mesmos. Deixava novos e lavados e trazia velhos e sujos. Na prática era um aluguer avençado de equipamentos como, toalhas de rosto, toalhões de banho, roupões, lençóis, toalhas de mesa, guardanapos etc. O meu trabalho consistia em marcar todo esse equipamento com as iniciais da empresa - BS. Apenas isto e só isto. 
Este trabalho era feito com duas máquinas. Uma gravava, a outra fixava a quente a gravação. Eu era obrigado a gravar, diariamente, mil peças. Era senhor de mim mesmo. Não tinha chefe directo. Tinha vários e não tinha nenhum. O sector onde me encontrava era afastado da parte principal da empresa onde se concentravam a grande maioria dos trabalhadores, os da lavagem e da engomadoria. A minha pequena sala confinava com a grande sala de costura, onde cinquenta costureiras, lindas, feias e assim assim, produziam os atoalhados. Uma porta interior, que eu fechava quando queria, era o elo de ligação entre nós. Foi épico! Tornei-me um pequeno guerreiro. Dezoito anos de gente, tenrinho e cercado por amazonas vorazes. Um pesadelo!

12 de junho de 2007

Gente séria


- Tá lá? Bom dia!
- Bom dia! Quem fala?
- O Senhor chama-se Joaquim Ribeiro?
- Sim senhor, sou eu mesmo!
- Perdeu a sua carteira?
- Não, não perdi, roubaram-me o blusão e tinha a carteira lá dentro!
- Pois olhe, os seus documentos estão a ser vendidos no Bairro da Cova da Moura, na Buraca … (silêncio)
- Se quiser posso falar com o gajo que tem a carteira. Por ser para si, ele vende os documentos todos, por 200 €. Se não quiser ele vai vendê-los, um a um e isso não é nada bom para si. Só o B.I. vale um dinheirão!
- Pois é, mas eu não estou interessado em comprá-los. Em primeiro lugar, porque não compro uma coisa que é minha, em segundo, porque já comuniquei à P.S.P. e à Judiciária e em terceiro, porque já dei baixa de todos os cartões. Além disso tinha lá dentro 600 €. Ora, essa quantia, mais a carteira e o blusão, ronda os 1000 €. Portanto, vocês preparem-se, que se calhar isto não vai terminar bem.
- Oh amigo, eu não tenho nada a ver com isto, só estou a querer ajudá-lo. Se quiser vir ter comigo à Cova da Moura, eu posso tentar negociar com o gajo … (silêncio)
- OK, vou ter consigo, mas encontramo-nos à porta das piscinas da Damaia. Eu deixo aí o meu carro e vamos lá a pé.
- Tá bem, pode ser.
- Então, dentro de quinze minutos estou lá.

Vinte minutos depois, surgem dois mal amanhados mafiosos, um branco, outro mestiço, com idades entre os 30 e 35 anos.

- O senhor é que é o da carteira?
- Sou sim senhor!
- Então vamos lá!
- Pois bem, mas olhem que eu não estou preocupado com isto. Vocês meteram-se num grande buraco. Eu só cá vim, porque, apesar de tudo, ainda vou perder algum tempo em arranjar documentos novos. Digam lá ao gajo que dou 50 € e devolve-me imediatamente tudo.
Pelo caminho fui gravando a conversa e tirei esta fotografia.
Chegámos ao Bairro e mil olhos fuzilaram-me.
- Vão lá falar com ele que eu fico aqui.
Foi um e ficou outro.
Dez minutos depois – Oh chefe, o gajo só mandou os documentos e aceita os cinquenta euros
Tirei do bolso essa quantia, recebi os documentos com uma mão e entreguei o dinheiro com a outra. Dei meia volta e vim embora ainda a tempo de ouvir …
- Oh chefe, então e nós, não ganhamos nada com isto? Arranje lá algum prá gente!

11 de junho de 2007

O SALTO - parte 9

Uns dias depois, chegaram-me de Portugal algumas notas, das grandes, molhadas num vale de lágrimas e saudade. Melhores dias estavam para vir. Assim pensávamos.
Com dinheiro fresco, demos largas à costela de turista e partimos à descoberta desse mundo, tão igual e tão diferente daquele donde vínhamos.
A Torre Eiffel e o Arco do Triunfo foram as nossas primeiras descobertas. Era importante cheirar Paris e esse odor começava por ali.
Nem fazia muito sentido começar por outro lado, pois qualquer destes monumentos ficava muito perto de nossa casa. A pé, tínhamos o Arco a quinze minutos e a Torre a uma hora. Paris era uma cidade para andar a pé.
Julien começara já o seu serviço de “ménage” e eu era a dona da casa. Quando ele chegava do trabalho, tinha de me levantar. O guerreiro precisava de repouso. Entre a minha levanta e a deita dele, era só uma questão de cinco minutos para arrefecer os lençóis e adormecer, embalado por Morpheu.
Na primeira oportunidade Martin levou-nos ao Touquet. Era só subir a Av Wagram e descer os Champs Élysées.
O local era pequeno mas muito simpático. A iluminação convidava à descoberta dos corpos, ao cigarro e ao álcool. Perante tal convite era impossível dissociarmo-nos de tal decoração.
O Touquet passou a ser a minha Sociedade Filarmónica, com as devidas salvaguardas.
Quando Julien folgava, deixava-lhe a cama livre e rumava áquele lugar, onde trinta minutos bastavam para estar nos braços de alguém.
Passados os primeiros dias de barriga cheia, milagre que os escudos tinham conseguido, somos avisados que tínhamos de sair do “apartamento” porque este era para uma pessoa só e não para duas e tinham já substituto. Os revezes da fortuna estavam connosco.
Nos finais de Setembro, mudámo-nos para um quarto de hotel rasca, a cem metros dali. Hotel Darius - Rue de Saussure 88, passou a ser o novo endereço.
Subíamos no estatuto, descíamos na desgraça.
Dezassete francos por dia, era o preço de quinze metros quadrados, do quarto 212, com bidé e lavatório de águas quentes e frias. Também ali os sanitários ficavam no corredor.
Tínhamos agora uma cama de casal e outra de solteiro. Eu dormia na primeira, Julien na segunda.

10 de junho de 2007

Venezuela a saque

Hotel Anauko Hilton - Caracas

Maiquetia, deveria ser um aeroporto igual a tantos outros, mas não era. A Venezuela, destino apetecido que me levava a juntar o útil ao agradável, ficou a ser para mim, o marco geodésico que assinala a insegurança, o medo e a vontade de não voltar.
Por defeito da minha actividade profissional, quando viajava, era normal indicar nos documentos alfandegários, a profissão de MANAGER. Sempre assim tinha feito.
Ao chegar, fui informado pela polícia aduaneira, que deveria apresentar-me no Ministério das Finanças, no dia seguinte.

Sem perceber o motivo de tal pedido, lá me dirigi. Tinha começado um calvário de perguntas e inquéritos, sobre as razões que levaram um MANAGER a visitar a Venezuela. Lá fui dizendo que era uma visita meramente turística e que MANAGER era a tradução que eu tinha arranjado para sinónimo de EMPRESÁRIO, efectivamente a minha profissão em Portugal.
Pensavam eles que eu era empresário de futebol ou artístico e que o motivo da minha visita era estritamente profissional. Como tal teria de pagar impostos, calculados com base naquilo que viessem a supor, serem os meus lucros.
Fiquei siderado e completamente obnóxio.
- Penitencio-me pela expressão usada sobre a minha profissão, mas não sou empresário de estrela nenhuma nem venho em negócios – expliquei eu aos barrigudos agentes inquisidores.
Ficaram de averiguar o caso. Voltei no dia seguinte, no outro e no outro. Oito dias seguidos de perguntas e pressões que acabaram por resultar em zero. Nada paguei e fui devolvido à descoberta do Caribe.
A simpatia e a simplicidade dos caribenhos não passava por ali!

9 de junho de 2007

58 Parabéns 58 amigos 58







Éh pá, tás a brindar a quê?
- A ti.
- A mim? Ah, é verdade! Nascemos no mesmo dia e no mesmo ano. Ganda coincidência, meu!
- Estamos cada vez mais novos, mais magros e mais cabeludos.
- Pois é, descobrimos a fonte da juventude e temos a mania que já somos uns homenzinhos.
- Vamos lá crescer para podermos ir ao almoço anual. (desce o pano)

Do pessoal cá do burgo, um abraço enorme ao Nelson e ao Marcelo.
Feliz Aniversário

8 de junho de 2007

O SALTO - parte 8

Estipulámos pagar uma pequena quantia. Como? - Veríamos depois.
Estava na altura de dar notícias lá para casa e pedir alguns escudos. Assim o fiz. O Zuca não o podia fazer.
Todos os quartos/arrecadações, estavam ocupados. Uns, por estudantes, outros, por trabalhadores. Estes quartos eram conhecidos por “la chambre de bonne” – o quarto da criada. Na prática eram uma pousada do desenrasca.
No fundo do corredor havia um luxo comum a todos. Aquilo que eu julgava ser uma casa de banho, não passava duma latrina, dum chuveiro e duma torneira, remodelados na segunda guerra mundial.
No quarto, uma pequena mesa era o estatuto a que tínhamos direito.
Algumas roupas do Tó e um pequeno armário de plástico para guardar tudo, fizeram de nós homens abastados.
À nossa esquerda uma morena bem jeitosa e pouco falante, rivalizava à direita, com a desconfiança dum argelino mau-feitio. Para vizinhos, nada mau.

Estávamos entalados entre duas facções distintas. Numa, o glamour dum corpo lindo, noutra o receio dum bigode negro.
Não era permitido partilhar o exíguo espaço com amizades externas. A imaginação encarregar-se-ia de furar o sistema, muito esporadicamente.
Apesar de tudo tínhamos já aquilo que toda a gente anseia – uma casa.
Naquela noite eu e o Zuca falámos até tarde. Bem vistas as coisas não tínhamos horário para nada, por isso podíamos continuar a sonhar.
No dia seguinte tivemos uma surpresa. O Tó veio visitar-nos e vinha acompanhado pelo Zeca, seu primo, que morava a duas ruas dali. O Zeca, velho conhecido, da Rua Pedro Franco, ficou contente de nos ver, mas apreensivo quanto ao nosso futuro. Os tempos eram péssimos. A emigração estava no auge e as privações que nos esperavam foram logo ali anunciadas. Dois homens sós, sem parentes por perto, iriam ter algumas dificuldades em viver naquelas condições. Mas a indómita vontade de dar a volta por cima, estudar arte dramática e correr o mundo, superariam as contrariedades que iriam chegar.
Eu estava disposto a continuar. O Zuca tinha sempre na manga a possibilidade de ir para a Bélgica, onde a sua irmã já tinha vida organizada.
Naquele momento o que importava é que o Zeca estava ali e isso dava-nos algum alento.
Precisávamos agora de arranjar qualquer trabalho, coisa que o Zeca nos conseguiu. Havia uma vaga para fazer limpeza num edifício de escritórios. O pai do Zeca, pertencia a esse grupo de “ménage”. O Zuca ofereceu-se para ser ele a ocupar a vaga.
Na ilegalidade em que estávamos, aquele trabalho era uma dádiva do céu. Era até o trabalho mais limpo e menos duro que se podia desejar.
Quem me dera arranjar também um emprego assim – pensava eu.
Zuca começou a trabalhar. Entrava às dez da noite e saía às seis da manhã. Podíamos, finalmente dormir à vontade. Ele de dia, eu de noite.
A grande maioria dos portugueses vivia em bairros de lata, nos arredores de Paris. A promiscuidade e a miséria eram realidades irmanadas. Os portugueses, apesar de bons trabalhadores, eram marginalizados pela sociedade.
Não era de bom tom darmo-nos a conhecer como lusitanos. Sempre que o pudéssemos evitar, só ganharíamos com isso. Imbuídos neste espírito pelo Zeca, pelo Tó e pelos próprios pais, aceitámos o conselho e logo ali arranjámos nomes franceses para usar quando a necessidade o solicitasse. O Zeca, usava o nome de Martin (porque era Martins), O Tó, era Antoine. Quim e Zuca, não tinham tradução.
Passámos então a chamar-nos; eu - Alain, o Zuca – Julien.
Acabaríamos por nunca mais usar outros nomes, que não esses.
Sentia-me um renegado, mas era por uma boa causa. Confirmei cedo que o esquema funcionava, mas algumas vezes provocou situações caricatas.

7 de junho de 2007

O SALTO - parte 7


Aquela gare, triste e pobre, tirara-me o imaginário da cidade luz.
- E agora? – perguntou o Zuca.
- Bem, agora tenho aqui duas moradas de amigos. A do Tó e a do Ilídio – respondi.
O Ilídio tinha residido perto de nós, na Amadora e tinha-o encontrado alguns dias antes, de férias em Portugal, quando me deu a sua morada sem nunca imaginar que o viria a procurar em França.
O Tó morou na mesma rua que nós e tinha ido para junto da mãe, que há alguns anos vivia em Paris. Ambos eram nossos amigos, mas não muito.
Resolvi começar pelo Ilídio.
Procurámos no mapa do Metro e verificámos que Saint Cloud ficava nos arredores de Paris.
Remexi os bolsos, Zuca fez o mesmo e juntámos o resto dos francos ainda em nosso poder. Não fazíamos nenhuma ideia de para quantos dias duraria este dinheiro.
Comecei a fazer perguntas e percebi logo que afinal não sabia tanto como julgava. Aquilo que tinha aprendido era o suficiente, mas não tinha nada a ver com a realidade.
Parecia uma vaca espanhola a falar francês.
Acabámos por escolher o autocarro, pois este levar-nos-ia mais próximo da morada desejada.
Uma vez aí chegados, descobrimos o Ilídio que ficou embaraçado por nos ver. Vi os seus olhos dizerem: - é pá, quando te dei a minha morada, estava a brincar.
Albergar-nos não fazia parte dos planos dos seus pais, que nem nos conheciam.
Depois do primeiro impacto e de uma conversa de circunstância, onde explicámos que o motivo do nosso salto tinha sido fugir à tropa e procurar um vida melhor, lá fomos dizendo o que acontecera e porque estávamos ali. Afinal também eles lá estavam por motivos semelhantes.
Mostraram-nos as condições exíguas em que viviam e ao lado tinham um barracão, desprovido de tudo, onde mais três portugueses viviam em permanência. Um tanque de lavar roupa, uma mesa e umas maletas arrumadas num canto, eram a mobília destes garimpeiros da estranja. Um conjunto de tijolos soltos sobrepostos, faziam de aparador e guardavam comida enlatada. Os três desconhecidos abriram mais uma lata de “cassoulet” (feijoada) e foi um ver se te avias, já que o diálogo não era muito.
O futuro não parecia risonho.
Um velho colchão estirado no chão de cimento, serviu-nos de leito nupcial.
Era a nossa primeira noite juntos. Estava condenado a dormir com o Zuca.
Assim foi mais um dia e outro ainda. As perspectivas de arranjar trabalho não eram muitas e o ambiente cortava fino.
Decidi procurar o Tó. Talvez o vento soprasse de feição.
Recontámos o nosso dinheiro e constatámos que, a um ritmo de dois litros de leite e duas “baguettes” de pão por dia, teríamos alimento para quinze dias. Com alguma coisa que caísse do céu, iríamos ficar vivos pelo menos três semanas.
Fiquei aliviado por saber que tínhamos um prazo de duração tão longo.
Algures no meio de Paris, encontrámos a casa do Tó. Este não estava em casa. Recebeu-nos a sua condoída mãe que, depois de ouvir alguns dos nossos anseios, nos arranjou uma solução.
As águas furtadas do número vinte e dois da Rue Jouffroy, no quarteirão dezassete, eram as arrecadações dos inquilinos do prédio. A cada um, pertencia uma. A mãe do Tó trabalhava na casa dum desses inquilinos e a arrecadação deste estava vazia.
Dois metros de largura, por quatro de comprimento, era o tamanho deste refúgio que já me parecia uma suite. Comparado com o barracão do Ilídio, isto era um hotel do Dubai. O único senão, era o da cama ser dum corpo só. Teríamos de dormir à vez. Em caso de desespero dormiríamos como dois apaixonados. Agarradinhos. Respirei de alívio. Já não dormiriamos na rua.
Bem no coração de Paris, abri a pequena janela, estiquei o braço e a Torre Eiffel saudou-me!

6 de junho de 2007

O SALTO - parte 6


Eu - Zuca e Zeca (Martin)


Afinal não faltavam dez minutos para o comboio partir. Já havia partido.
Aquela Babel de gente, carris, cais e carruagens, era um mundo novo.
Vagueámos na descoberta. Olhámos tudo e não vimos nada.
Faltavam agora cinquenta minutos para a saída do próximo comboio. Havia outro entretanto, mas não acessível à nossa carteira.
Tinhamos agora um tempo para respirar o ar dos Pirinéus. Lembrei-me então que algures em Portugal, os meus pais estariam a imaginar onde me acoitava. Por uns momentos cedi. Valeria a pena aquela aventura?
A mãe do Zuca também era pessoa de poucas falas. O filho dissera-lhe que ia para a Bélgica, para casa da irmã que lá vivia. A velhota estava descansada.
Olhando os escaparates, armei-me em novo-rico e comprei um postal ilustrando San Sebastian, ali muito perto. Nele me confessei.
- Pai e mãe, estou muito longe, mas bem. Vou tentar dar um rumo à minha vida e esse rumo pode estar longe daí. Peço desculpa por ter saído sem nada vos ter dito. Neste momento estou em França. Quando for possível dar-vos-ei notícias. Um beijo enorme para os dois. Quim
Senti-me aliviado. O meu pecado estava confessado. Ficaria a aguardar pela absolvição.
Neste tempo de reflexão mudei de ideias e resolvi que viajaríamos de noite, para assim saborear a cama que não sabíamos quando voltaríamos a ter.
Por ali andámos à descoberta do mundo que desafiámos.
Estava na hora da partida e dirigimo-nos para a carruagem que já sabíamos ser a nossa.
Um luxo. Um verdadeiro luxo era aquela carruagem, muito moderna e limpa.
Sentei-me, respirei fundo, olhei em volta e tentei sentir os meus companheiros de compartimento. Não muito longe dali, umas filas mais à frente, duas lindas mulheres cavaqueavam e sorriam. Dei uma cotovelada ao Zuca e segredei-lhe:
- Tás a ver aquelas duas ali?
Zuca esfumaçava por tudo e por nada. Não engolia o fumo. Mastigava-o e soprava-o como um borrifo. Ainda hoje assim faz. Quando tinha de pensar, não o fazia sem puxar dum cigarro. Neste gesto de vai-vem, a mente organizava-se.
- Tou a ver tou, porquê?
- Acho que hoje é mesmo o nosso dia de sorte!
- eu via muitos filmes e a minha imaginação não passava dum carrocel de sonhos. Era o tempo em que o herói acabava sempre por convencer a donzela de engate fácil. Eu não era propriamente um engatatão barato, mas começava a sentir-me dono do mundo.
Na primeira oportunidade abeirei-me das beldades e meti conversa. O tema, não lembro mais. Lembro apenas que eram alemãs e tratava-se de mãe e filha. Quase me evitaram. Percebi que o desdém das duas me tinha feito descer à terra. Não estava a perceber. Nos filmes não era assim. O rapaz dizia uns piropos e algum tempo depois estavam enrolados em vale de lençóis. O que estava a acontecer comigo?
Desculpei-me a mim mesmo; há três dias que ando bem vestido mas com a mesma roupa. Se calhar cheiro mal! O problema não era esse. Era meu. Sentia-me já na Gomorra do pecado e esquecera-me dos justos.
Regressado à terra, esqueci o fracasso e tentei adormecer em francês.
O tempo que nos separava da Gare d’Austerlitz era igual ao da ânsia de chegar. Até lá fui remexendo nos parcos francos que ainda restavam e conjecturando a sua utilização.
Finalmente chegámos. A velha gare desiludiu-me. As gentes passavam por nós e não nos viam.
O dia acordou! Nós, adormecemos em incertezas!
Bonjour Paris!

5 de junho de 2007

O SALTO - parte 5


O ar cheirava a raiva, desespero, revolta, angústia.
O espaço que nos albergava, não tinha porta. Era uma antecâmara de circunstância, meio termo, entre sala de interrogatório e cácere de monge budista.
Dois gendarmes guardavam a entrada desta reclusão forçada. Invariavelmente se desviavam para deixar entrar mais condenados. Eram aos magotes.
A pequena estatura da maioria daqueles portugueses e espanhóis, ali cerceados pelas fronteiras que o homem delimitou, fazia parecer que não éramos daquele grupo.
Regressar de mãos ainda mais vazias, era o destino de todos nós.
Parecia impossível isto acontecer logo ali, às portas do paraíso, com centenas de cidadãos de primeira passando a nosso lado, dirigindo-se para o comboio que se via do nosso espaço. Era como se esticasse a mão e lá não chegasse.
Zuca, ia desabafando:– e agora?
Nós estávamos mesmo à entrada, parecendo não fazer parte da “foule”. O gendarme que guardava o lado mais próximo do comboio andava para trás e para a frente com a impaciência de quem espera ser pai.
Empurrado por uma vontade indómita de levar o meu barco a bom porto e iluminado pelo Espírito Santo que alguns anos antes abandonara, toco ao de leve nas costas do algoz e pergunto-lhe em francês: - O senhor, por acaso não sabe a que horas sai o próximo comboio para Paris? – tentava assim iniciar uma conversa que o levasse a condoer-se de nós e a nos deixar seguir. Coisas de ingénuos, que às vezes resultam.
- Tem um comboio dentro de aproximadamente 10 minutos - diz o gendarme.
Ficámos a olhar um para o outro. Naquele momento passaram-me pela cabeça infindáveis hipóteses do que poderia estar a acontecer.
Zuca, a meu lado, não arredava pé.
- Está à espera de quê? Aqui não tem saída. É para aquele lado! Corra, doutro modo vai perder o comboio – insiste o meu salvador.
Percebi finalmente que o gendarme terá pensado que estes putos, altos, bem vestidos, sem bagagem e a falar francês, não eram certamente filhos dum Deus menor. Tinham-se apenas enganado e entrado na porta errada.
Como se fosse o mais natural do mundo, alongámos o passo, deixando para trás o trem dos condenados.
Hendaye era agora o Pireu da nossa nau. Bastava aproveitar a bonança e zarpar.
Trocámos escudos por francos. Cumprimos as formalidades de embarque e desta vez comprámos o bilhete até Paris.
Não era agora que íamos deitar tudo a perder. A sorte levara-nos até ali. Não iríamos agora abusar dela.
A cabeça estava cheia. Os bolsos quase vazios.

4 de junho de 2007

O SALTO - parte 4


Eu e Isabel, uma amiga espanhola, com o Zuca à espreita.

Tirou as chaves da ignição, fechou as portas e cobriu a carga com uma lona esfarrapada. Tudo o que ainda lá estivesse no regresso, era lucro.
Partimos os três. Deixei os meus melões para trás, não sem antes meter um debaixo do braço. Seria a merenda para a viagem.
O passador caminhava a passo certo. O que para nós eram invadeáveis obstáculos, para ele não passavam dum passeio todo-o-terreno.
A torto e a direito, saltando muros, pisando courelas, íamos afastando o medo de não conseguir passar.
Navasfrias estava à vista. Não déramos por haver passado qualquer fronteira. Parecia uma aldeia fantasma. As casas eram deslavadas e descoloridas.
A jurássica camioneta quedava-se ali. Era preciso aguardar por outra.
Um iluminado qualquer tinha-nos dito que era melhor apresentarmo-nos numa esquadra de polícia e pedirmos um salvo-conduto para podermos circular livremente em Espanha durante trinta dias, pois era comum fazerem isso com estudantes portugueses. Esta era pelo menos, a versão do safado que nos vendeu a ideia. Efectivamente não era assim.
Fizemo-lo e fomos detidos. Os carabineros, estavam estupefactos com a nossa ousadia.
Depois de várias perguntas que nos fizeram, deixaram-nos sós numa sala. O nosso aspecto arranjadinho e sem qualquer bagagem, inspirava-lhes confiança e a certeza que a demora em terras de Espanha não seria longa.
Julgo que fizeram de propósito. Nem nos mandaram embora, nem nos deram salvo-conduto, nem ficou ninguém a guardar-nos.
Ao fim de algum tempo, percorremos com o olhar os espaços mais próximos e não se via vivalma. Apenas ruídos de quem assistia a um jogo de futebol.
Calmamente saímos pela porta principal, sem qualquer entrave e percebemos que os Deuses estavam connosco.
Uma outra camioneta mais arranjadinha, levar-nos-ia a Casillas de Flores e finalmente a Ciudad Rodrigo.
Esta sim, já era uma cidade. Pequena, mas cidade. Não que estivéssemos muito virados para visitar museus ou descobrir locais de interesse, mas dava-nos algum espaço de manobra para cirandar, sem receios maiores.
O medo era uma constante que não conseguíamos dissociar da aventura.
Sentados num longo e corrido banco de madeira, esperando o comboio que nos levaria até à fronteira francesa, íamos devorando um pão espanhol tipo chapada, com montes de presunto. Do melão que trouxera debaixo do braço, já haviamos feito a digestão.
Ainda mal tínhamos saído de Portugal e já tínhamos consumido metade das nossas “massas”. Os melões tinham levado a parte de leão.
Restava-nos agora começar o verdadeiro salto.
Comprámos dois bilhetes para Salamanca, situada 100 Kms mais à frente e depois, se fossemos apanhados, diríamos, que tínhamos adormecido e que iríamos sair na próxima estação. Entrámos no comboio e preparámo-nos para chegar depressa ao final das sete horas que eram precisas para chegar a Irun, na fronteira francesa.
A balbúrdia que ia naquele comboio jogava a nosso favor.
Montanhas de portugueses, de regresso de férias e certamente mais alguns nas nossas condições, faziam-nos parecer filhos de gente abastada que não infringia qualquer regra, pois as nossas indumentárias assim o poderiam fazer supor.
O fato e a gravata ajudavam imenso. Até os portugueses faziam deferência connosco.
Uns jogavam às cartas, outros comiam enchidos bem regados pelo garrafão do tintol.
As crianças choravam, as mães ralhavam. A impaciência estava instalada.
Alguns quilómetros mais à frente, eis que surgem dois revisores para picar os bilhetes. No meio de toda aquela confusão onde mal se podia circular nos corredores, mostrámos-lhes os bilhetes que picaram quase sem olhar. Mais vezes viriam a passar por nós sem nunca nos voltar a ser solicitado o título de transporte.
Entrámos no fundo da noite, encostados, umas vezes a uma qualquer mala de cartão, outras a patorras mal cheirosas.
A chegada a Irun aconteceu era já dia. O amanhecer da esperança estava no fundo dum longo subterrâneo que nos levaria directamente às barbas dos guardas fronteiriços.
Carabineros e gendarmes misturavam-se, de tão próximo que estavam e a verificação de passaportes era una.
Passeport! Passeport! - iam ordenando os jaquetas azuis.
Na nossa idade era quase impossível conseguir tirar o passaporte. A proximidade do serviço militar era a principal razão para a recusa deste.
À falta de tão precioso documento, exibimos o bilhete de identidade.
Passez par lá – e empurraram-nos para um sala onde estava já um amontoado de famílias, com os homens em maioria.
Presos? - perguntei a mim mesmo. Estamos presos, constatei!

2 de junho de 2007

À sombra

Enquanto não SALTO 4, deleito-me a imaginar longas conversas com o Bruno e a abater a barriguinha em marchas, que o local convida.
Aguenta aí Bruno. Vai preparando o grelhador. Já só faltam dois meses e meio.
Passa depressa.
Princeton-Nova York, esperam por mim.
À sombra desta árvore.


A Imperatriz Sissi, já chegou?

1 de junho de 2007

O SALTO - parte 3

A Rua Pedro Franco parecia grande. O arco da mesma, enorme.
Zuca aguardava-me no fim desta, à porta da Sociedade Filarmónica.
Três mil escudos meus, mais mil dele, eram o pecúlio arrebanhado para a descoberta do novo mundo.
A pé, até Benfica. De eléctrico, até Sete Rios. De metro, até ao Rossio. A "butes", até Santa Apolónia.
Não falávamos muito porque quando eu o fazia, o Zuca não respondia.
Em pleno Rossio encontro o meu cunhado Taxú, que nos questiona:
- Éh pá, o que fazem vocês aqui às 8 horas da tarde?
- Vamos para França! - respondi eu.
- Para França? Olha, eu não te vi!
Julgando estar com alucinações, deu meia volta e partiu sem nada mais dizer.
Faltavam quase duas horas para o comboio da Beira Alta partir.
Descer a Rua Augusta naquela tarde quente de Agosto, sabia-me bem, apesar de pensar que era um caminho sem regresso.
Havia o problema do serviço militar que se aproximava. Havia a Pide. Havia a falta de dinheiro. Havia tanta coisa, que não havia.
Os parcos escudos que levávamos para uma aventura daquelas, davam-nos a garantia que o estômago iria acostumar-se a um novo regime.

Era como despejar o mar com uma cesta.
Santa Apolónia acolheu-nos. Comprámos os bilhetes para o Sabugal e pouca-terra, pouca-terra.
Ficámos junto à janela, olhando Lisboa a fugir. A noite ia ser longa.
Cansado de não falar, procurei o meu lugar, encostei a cabeça ao vidro e comecei a sonhar.
A noite foi passando entre o sonho e o pesadelo. Ainda não acreditava que estava a caminho do umbigo do mundo.
Chegámos ao Sabugal por volta das seis horas da manhã. Era preciso muita cautela. A Policia do Estado entrava no comboio sem se saber aonde e punha debaixo de olho aqueles que lhe pareciam poder querer sair do país.
Parecia complicado, mas não era. Eles sabiam da poda.
Não tínhamos passaporte e a única coisa que jogava a nosso favor, era não sermos portadores de qualquer mobília. Dois putos bem vestidos, altos, eu loiro ele moreno, ajudavam a não levantar suspeitas de emigração ilegal. Ninguém vai para lado nenhum, com nada debaixo dos braços.
Fizemos meia dúzia de perguntas e apanhámos uma camioneta para Aldeia do Bispo.
Ali chegados, sentíamos já o cheiro de Espanha. Mas era urgente sair dali.
No largo da aldeia, um velho beirão, sabendo ao que íamos, indicou-nos um homem que vendia melões, como sendo o bastão de apoio para atravessar a fronteira sem sermos descobertos, por caminhos e trilhos que bem conhecia.
Cheguei junto dele e perguntei-lhe:
- Bom dia amigo, nós somos estudantes, estamos de férias e gostávamos de passar para Espanha. Será que nos pode dar uma ajuda, indicando-nos qual o melhor caminho a seguir?
-Éh pá, vocês têm de ter cuidado com a Pide! Se vos apanham, estão lixados! Posso levar-vos ao lado de lá, o que demora, p’rá aí umas duas horas, mas agora não, porque tenho esta camioneta de melões para vender.
- Então e não pode ser mais cedo? – perguntei eu.
- Não, não pode porque só lá para o fim do dia é que devo ter a venda toda feita. Comecei a equacionar os prós e os contras de nos mantermos por ali a céu aberto. Dava nas vistas, dois desconhecidos rapazolas estarem ali a olhar p’ra ontem. Os espaços eram muito abertos e não havia mesmo nada para onde nos pudéssemos virar.
Zuca estava cansado de não falar.
Abeirei-me do homem e perguntei-lhe:

- Então, a que preço é que o senhor está a vender o melão?
- A dez tostões o quilo!
- responde ele.
- Então e quantos quilos é que tem na camioneta?
- Mil e duzentos!
- Vamos fazer o seguinte; eu compro-lhe todos os melões e o senhor leva-nos ao lado de lá! Mas tem de ser agora -
lembrava-o eu.
O homenzinho não era nada burro, porque não pensou muito para dar a resposta.
Levantou o boné com a mão esquerda, coçou a cabeça com a direita e fez de conta que fazia contas.
- Aceito! Pagam já e vamos a isso!

Comprei todos os melões e fiquei paupérrimo.